quarta-feira, janeiro 18, 2012

Seu lixo.

Naquela noite, terminadas as tarefas, faltava apenas retirar o lixo da casa, que estava encostado na porta da sala do apartamento aguardando seu destino. Colocou as sandálias e levou-os até a central de lixo do condomínio. Uma tampa para o reciclável e outra para o orgânico. Feito isso, após fechar a tampa final tropeçou em uma lajota solta, o que soltou a tira de sua havaiana direita. Foi se abaixar para arrumar as ditas, mas raspou com vigor o braço em uma farpa de metal na enorme lata de lixo do condominio “eu sabia que isso iria acontecer um dia, está aí há meses”.

Após essa rápida crise de culpa branda resolveu correr para o apartamento para limpar o corte no ante-braço. Ao pegar o elevador um cara vestido de verde “tendo um dia ruim?” “nem me fale, a esta hora da noite vou levar o lixo pra fora e ainda corto o braço. E isso é só uma parte da história”. Com um sorriso esquisito, o estranho aperta o botão de emergência, travando o elevador. “E sua noite está apenas começando. Você sabia que o lixo que não é lixo, não vai pro lixo?” “O que?” “Mas você vai!”

Ao abrir a porta do elevador, uns pombos misturados a alguns urubus voam assustados com a luz que sai do elevador. “Amigo, eu não sei quem é você, mas me leva de volta já, preciso cuidar do meu braço”. “Assim ficamos iguais” e cortou o ante-braço no mesmo lugar. “Podemos ir agora?” E empurrou o condômino para fora do elevador, que se fechou.

Escuridão de 92%. Ouvia apenas um barulho de asas longe e perto. Mas o cheiro. Notas de bosta misturadas com lixo clássico de pia de cozinha, com tons de cerveja amanhecida acompanhadas de ondas do inconfundível aroma de mercúrio de baterias esgotadas. “A maioria das pessoas acredita em mágica. Aquela sensação de que o lixo desaparece”. E o sangue escorria dos braços. “Por favor, porque você está fazendo isso?” “É minha função” e começou a cavar, ou melhor, abrir espaço em meio ao lixo.

O nosso condômino já estava em vias de desmaiar quando resolve em um último lampejo de desespero correr. Mas cai em um buraco em meio aos buracos que se formam aleatoriamente entre os sacos de lixo do Mercadorama, Big e toda uma variedade de sacolas não biodegradáveis. “Como quiser” e começou a jogar lixo e mais lixo em cima do moribundo.

Terminada a cerimônia, o rapaz de verde, robusto, enrola um pedaço de pano qualquer em seu corte e aperta o botão do elevador. A porta se abre, o ambiente é inundado por um corredor de luz. Novamente alguns pássaros se dispersam, a porta se fecha e em seguida ele sobe em direção aos céus.

segunda-feira, julho 11, 2011

Amor

-Eu te amo.
-Eu também te amo.
-Vamos arrancar os olhos?
-Vamos!
E foram felizes para sempre.

domingo, dezembro 05, 2010

Síndrome de Fim de Ano

Tudo que é obrigatório não costuma funcionar direito. Esse é um dos principais motivos para que o fim de ano não seja nada bom. Só porque tem tudo para que seja legal, não quer dizer que será. E nos últimos anos em especial não tem sido.

Fim do ano é o momento em que fugimos das obrigações tediosas do dia a dia, em especial estudo e trabalho, para ficarmos de ponta-cabeça coçando o saco, em algum lugar que gostamos com pessoas que gostamos.

Como ainda sou um baixa-renda (ainda não me conformei com isso), não posso ir para onde eu quero e as pessoas de que gosto tem suas obrigações familiares. Não tenho pra onde correr.

É que quando o núcleo familiar naturalmente se dispersa, ou caga-se por completo, os filhos sentem-se na obrigação (olha ela aí de novo) de constituir seu próprio núcleo familiar. Não que eu acho isso o mais indicado, mas é o que impera. Ou vou me escalar pra passar alguma data com alguma mina ocasional? Seria melhor e mais divertido talvez, pensando bem. Enfim, foda-se.

Na verdade o problema somos eus mesmos. Poderia estar com bastante dinheiro que não mudaria muita coisa. E estar com uma pessoa especial deixa de ser especial quando se está com ela, porque percebe-se que ela é apenas uma pessoa repleta de desencantos como todos nós. Está difícil de acreditar na grana e no amor, ha-ha-ha.

Espero que reinicie logo o ano, para poder começar a correr novamente atrás da cenoura como faz o cavalo e desenxergar tudo ou, ainda, tentar mudar. E hoje espero que tenha sido só mais um domingo amargurado.

terça-feira, outubro 19, 2010

A Solução (para todos os problemas)

E quando o download terminar todos os seus problemas estarão resolvidos. Não.

E não vai ser o seu café, nem seu álcool, nem suas drogas caras, suas drogas baratas, seus chicletes, seus cigarros, suas festas sem fim, seus tweets, suas masturbações, suas frases altamente indicativas de conteúdo, nem seus textos, seu cartão de crédito (quem dirá o de débito), suas amizades, nem suas roupas, nem sua mobília, nem sua família, seu cachorro, seu porco-espinho, sua retórica eloquente, sua retórica de elevador, sua simpatia, seu perfume, seu corte de cabelo, seus óculos de grife, seus óculos falsificados, seu carro importado, seu carro mil financiado, sua bicicleta, seu Ipod/Pad/Phone/Mac, seu PC Casas Bahia, seus músculos, seu pênis, sua vagina, sua voz, seus ossos, seus dentes clareados, seus hálito, sua página no Facebook, seus prêmios, suas viagens, seus bilhetes de loteria, sua herança, sua casa, seus filhos que vão resolver.

Vai ser você.
Como? Conte pelo amor de Deus! Algum filho da puta? Alguém?

domingo, outubro 03, 2010

Rockstar

Aquela velha história: ele finalmente conseguiu fazer sucesso, tinha todo o reconhecimento, era um rockstar. A todo momento várias pessoas queriam o conhecer, numa torrente de novidades sem fim. Cada nova amizade efêmera, cada nova garota, era um troféu para ambos, porém não era possivel levar pra casa nenhum deles. Afinal, o que é um troféu? A representação de um momento de glória. Ninguém vê tv, briga, consola ou mesmo fica com vergonha se soltar um pum sem querer na frente de um troféu. Seus amigos de verdade, anteriores não eram tão bonitos, tão cool, tão ricos nem tão loucos. Mas eram seus e agora estavam longe.

Falou com seu produtor que queria fazer algumas exigências, afinal era uma estrela. Queria que as pessoas realmente se interessassem pelo que ele realmente era e resolveu mudar o formato do show. Queria fazer um intervalo e apresentar algum momento da sua vida cotidiana.

Primeiro pediu para montar uma pia porque queria lavar a louça e ver se alguém se sentia em casa com isso. Depois gostaria de assitir a um filme engraçado durante o show e por último ter uma briga com algum amigo de verdade. O produtor ameaçou, disse que isso iria arruinar sua recém bem sucedida carreira. O rocker rebateu dizendo que iria cancelar todos os shows e que se fodesse tudo. Resolveram fazer o show conforme o planejado.

A idéia que parecia absurda a principio acabou fazendo tanto sucesso, ficou tão conhecida que os shows começaram a lotar, todos queriam ver aquele espetáculo patético. Tiveram que aumentar a estrutura, a banda e o produtor começaram a ficar cada vez mais ricos. Até isso era cool.

Desiludido com sua tentativa, o rockstar, rico, sozinho e sem amigos resolve se matar. Mas até nisso foi um fracasso. Cada vez mais pessoas se interessam por sua obra e todos os anos milhares de pessoas visitam seu túmulo, do cara mais cool que já existiu na história do rock.

sábado, julho 31, 2010

O que importa.

Próximo de eu abandonar (o blog?) a faixa dos vinte e poucos anos, recebi uma notícia muito legal, vou ser tio. Nada mais justo: serei tio de verdade, inclusive. Gente, isso foi demais pra minha cabeça. Fiquei igual ganso novo em banhado de feliz com a notícia!

E pra completar, eis que ligo pro meu pai (vô) e ele manda a seguinte: “Não se preocupe, você vai ser um bom tio. Já te vejo passeando tranquilo com ele(a) no colo e mostrando o verde das árvores, como eu fazia contigo.”

Essa foi a frase mais bonita que ouvi nos últimos anos. O suficiente pra eu atrasar 30 minutos da minha vida e ir de óculos escuro trabalhar. Sabe porque? Porque isso resume o que eu perdi desde que sai de casa aos 16: o simples. E se uma frase do meu pai vale por mil livros, filmes, aulas e tudo o mais, eu devo estar certo.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Don’t Save Ferris


Sabe aquele clássico da Sessão da Tarde, Curtindo a Vida Adoidado? Antes de virar um repeteco sem fim e sem importância, foi um filme muito importante nos anos 80, no sentido de popular, entretenimento e por aí vai. Mas no meu caso, que vi o filme ainda naquela década posso dizer o seguinte: este filme ferrou minha vida!

Sinopse: um piazão resolve matar aula e coçar o dia inteiro tocando o foda-se com seu melhor amigo e namorada.

Minha versão: acredite, como ele, você é o cara, todos te adoram em casa, no colégio e no universo. Você não precisa se esforçar nem ser bom em nada, porque no fim das contas tudo dará certo. Ralar é bobagem, estudar é uma grande bullshit!

Bom, pode parecer ingênuo, mas eu era um piazão de prédio (em Pinhalzinho não tinham prédios, então é uma metáfora) e acreditei naquela merda. Não que eu fosse mal aluno. Não que eu fosse o capeta em forma de guri, pelo contrário. Mas a sensação de que tudo ia dar certo perdurou por muito tempo.

Ferris Bueller: vai à merda. Só vou ver o filme mais uma vez. A última.